sexta-feira, 18 de março de 2011

Crimes contra Ordem Tributária: extinção e suspensão da pretensão punitiva (parcelamentos)


A lei que dispôs sobre o valor de salário mínimo para 2011 (Lei nº 12.382/2011), além da absurda delegação de competência para que o Poder Executivo, mediante Decreto, promova reajustes a aumentos, trouxe uma novidade tributária.

Trata-se da mudança nas regras relativas à pretensão punitiva do Estado, aplicáveis aos casos de crimes praticados contra a ordem tributária, tal como previstos pela Lei nº 8.137/1990.

De acordo com o art. 6º da Lei nº 12.382/2011, que alterou a redação do art. 83 da Lei nº 9.430/1996 para acrescentar os §§ 1º a 5º, o parcelamento dos débitos tributários, quando feito após o oferecimento da denúncia criminal, não mais suspende a pretensão punitiva do Estado.

Assim prescreve a nova redação do art. 83, §2º da Lei nº 9.430/1999:

"Art. 83. (...) § 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal". (grifado)


Além disso, referida alteração legal também incluiu o §4º no art. 83, da Lei nº 9.430/1999. Sem mencionar qualquer tipo de limitação temporal, tal dispositivo prescreve que a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária será extinta quando o contribuinte efetuar o pagamento do valor total dos tributos que estejam incluídos em parcelamento. Veja:

"Art. 83. (...) §4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento".


Apesar da ausência de limitação temporal (e.g. a necessidade de que o pagamento seja feito antes do oferecimento da denúncia), tal como ocorre com a suspensão da punibilidade, já há quem pense que o pagamento integral dos tributos parcelados só extingue a punibilidade desses crimes se efetuado antes do oferecimento da denúncia.

Partindo de uma análise do processo de enunciação dessa norma, ou seja, estudando o processo legislativo, encontramos na sua exposição de motivos (clique aqui para ver na íntegra), a seguinte justificativa:

“Com a presente proposta, pretende-se garantir, à semelhança do que já prevê o art. 34 da Lei nº 9.249/95, a extinção da punibilidade de tais crimes, quando a pessoa neles implicada efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de parcelamento.Trata-se de harmonizar a legislação tributária à jurisprudência já firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto”


Nesse ponto, nota-se que o art. 34 da Lei nº 9.249/95 dispõe que “extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”. (grifado)

Quer parecer, portanto, que a vontade do legislador foi, de fato, que a extinção da punibilidade somente se dê quando o pagamento integral da dívida ocorrer antes do oferecimento da denúncia.

No entanto, em que pese a vontade do legislador no processo de enunciação, não nos parece que a norma enunciada tenha prescrito essa limitação temporal à extinção da punibilidade. Em outras palavras, se fizermos uma análise literal do referido dispositivo, essa interpretação não se justifica pelo simples motivo que não há nada expresso nesse sentido.

Além do mais, a exposição de motivos menciona que o objetivo é adequar o entendimento ao quanto previsto pelo art. 34 da Lei nº 9.249/95 e à jurisprudência do STF.

Esqueceu o legislador, talvez, que o §2º do art. 9º da Lei nº 10.684/2003 revogou tacitamente o art. 34 da Lei nº 9.249/95, notadamente, no que tange ao limite temporal “momento do oferecimento da denúncia” para a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária. Veja:

“Art. 9º. (...) §2º - Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”.


Frise-se, que o próprio STF (que segundo o legislador teria anuído com a norma do art. 34 da Lei nº 9.249/95) já analisou a matéria e decidiu que a punibilidade dos crimes tributários é extinta com o pagamento integral da dívida, independentemente do oferecimento da denúncia. Isso deve acontecer mesmo nos casos em que o crime tenha ocorrido na vigência do art. 34 da Lei nº 9.249/95, por entender que a lei posterior mais benéfica deve retroagir (art. 5º, XL, da CR), tendo aplicado, no caso analisado, o §2º do art. 9º da Lei nº 10.684/2003. Veja:

“EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário”. (HC 81929/RJ – Julgamento de 16/12/2003)


Assim, ainda a intenção do legislador tenha sido a restrição temporal para aplicação da extinção da punibilidade, tal como previsto em normas tacitamente revogadas, a norma enunciada pela Lei nº 12.382/2011 prescreve que o pagamento integral dos débitos parcelados extingue a punibilidade dos crimes tributários, independentemente do momento do pagamento.

Isso porque: (i) as normas atuais (art. 9º, §2º, da Lei nº 10.684/2003) que, em nossa opinião, revogaram tacitamente o art. 34 da Lei nº 9.249/95, permitem a extinção da punibilidade quando o pagamento ocorrer a qualquer tempo; (ii) o STF já se manifestou nesse mesmo sentido; (iii) não há, nas alterações prescritas pela Lei nº 12.382/2011, qualquer disposição expressa no sentido de restringir a extinção da punibilidade aos casos em que o pagamento é feito antes do oferecimento da denúncia.

Esperemos, então, que o Poder Judiciário assim assimile o problema, nas eventuais discussões judiciais que certamente virão.

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Rodrigo Marinho

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